Parte 7
O Além e a Sobrevivência do Ser
Não julgamos demasiado insistir numa questão capital: a da identidade dos Espíritos que se comunicam, no curso das experiências. Essa identidade, estabelecida do modo mais preciso, será a melhor resposta aos detratores do Espiritismo e a todos os que pretendem explicar os fenômenos por outras causas que não a intervenção dos defuntos.
Passamos a enumerar diversos fatos que nos parecem característicos e apoiados em testemunhos importantes.
O primeiro, referido por Myers em sua obra sobre a consciência subliminal, diz respeito a uma pessoa bem conhecida do autor, o Sr. Brown, cuja perfeita sinceridade ele garante.
Um negro cafre foi visitar o Sr. Brown num dia em que se entregava a experiências espíritas com sua família.
Introduzido o visitante, perguntaram-lhe se sabia de mortos seus compatriotas que desejassem comunicar-se com ele.
Imediatamente, uma mocinha da família, que não conhecia coisa alguma do cafre, escreveu muitas palavras nesta língua. Lidas estas ao negro, causaram-lhe viva estupefação. Veio depois uma mensagem em idioma cafre, que foi por ele inteiramente compreendida, exceto uma palavra desconhecida do Sr. Brown. Em vão este a pronunciava de diversas maneiras; o negro não lhe apanhava o sentido. Inesperadamente a médium escreveu? “Estale a língua.” O Sr. Brown lembrou-se então do estalido particular da língua que acompanha a articulação da letra t entre os cafres e foi imediatamente compreendido.
Ignorando os cafres e a arte de escrever, o Sr. Brown ficou surpreendido de receber de um cafre uma mensagem escrita. Explicaram-lhe que a mensagem fora ditada, a pedido dos amigos do negro, por um de seus amigos europeus que, quando vivo, falava correntemente a língua dos cafres.
O africano parecia aterrado com a idéia de que os mortos ali estivessem invisíveis.
O segundo caso é o da aparição de um Espírito que se chamara Nefentés, numa sessão realizada em Cristiânia, na casa do professor E..., sendo médium Mme. d’Espérance. O Espírito deu o molde de sua mão em parafina. Levado o modelo oco a um profissional para que executasse a obra em relevo, ele e seus operários se encheram de espanto, por lhes estar patente que mão humana não poderia tê-lo feito, porque o teria quebrado quando fosse retirada, e declararam que aquilo era obra de feitiçaria.
Doutra vez, Nefentés escreveu alguns caracteres gregos no livrinho de notas do professor E... Traduzidos, no dia seguinte, do grego antigo para linguagem moderna, aqueles caracteres, verificou-se que significavam o seguinte: “Sou Nefentés, tua amiga. Quando tua alma se sentir oprimida por excessivas dores, invoca-me e eu acudirei prontamente para mitigar tuas aflições.”
Finalmente, o terceiro caso é autenticado pelo Sr. Chedo Mijatovich, ministro plenipotenciário da Sérvia, em Londres, que o comunicou em 1908 no Light: Instado por espíritas húngaros para se pôr em relação com um médium, a fim de elucidar um ponto de História referente a certo soberano sérvio morto em 1350, o Sr. Chedo foi ter com o Sr. Vango, de quem muito se falava na ocasião e que lhe era, mesmo de vista, inteiramente desconhecido. Adormecido, anunciou-lhe o médium a presença do Espírito de um mancebo, que desejava muito ser atendido, mas cuja linguagem não lhe era possível compreender. Acabou, todavia, por escrever algumas palavras do que dizia o Espírito.
Este se exprimira em sérvio e a tradução do que o médium conseguira grafar é a seguinte:
“Peço-te o favor de escrever à minha mãe Natália, dizendo-lhe que imploro o seu perdão.”
O Espírito era o do rei Alexandre. O Senhor Mijatovich nenhuma dúvida pôde ter disso, tanto mais que outras novas provas de identidade vieram juntar-se à primeira: o médium descreveu o defunto, que lhe manifestou o pesar que sentia de não ter seguido um conselho que confidencialmente lhe dera, dois anos antes de seu assassínio, o diplomata consultante.10
Os fatos que se seguem, na sua maioria inéditos, constituem outras provas da sobrevivência:
No curso das sessões que realizamos em Tours, 1893 a 1901, e das quais já falei em minha obra No Invisível (Espiritismo e Mediunidade), 11 a propósito dos fenômenos do transe, o Sr. Périnne, presidente da Corte de Apelação da Argélia, que, aposentado, viera residir naquela cidade, conversava livremente com o Espírito de seu filho, Eduardo Périnne, que morrera aos 26 anos como juiz de paz em Cherchell, a 1º de novembro de 1874. Uma noite, chegou-nos ele carregando um maço de folhas de papel cobertas de esboços feitos a pena, representando cenas humorísticas desenhadas pelo defunto e que eram conservadas como relíquias. Perguntou ele ao Espírito, assim que este se incorporou em Mme. F..., nosso principal médium, que não conhecera o morto, nem jamais pusera os pés na Argélia: “Eduardo, quem era este homem gordo cuja caricatura traçaste nesta página? Nem eu nem tua mãe pudemos atinar com o sentido deste esboço.” O desenho representava um homem obeso, tentando subir num poste telegráfico. Respondeu o Espírito: “Pois que, pai, não te lembras do Sr. X..., tão ridículo que, na Argélia, nos aborrecia com as suas conversações fúteis e um interminável palavrório sobre a sua agilidade?” E entrou em minúcias tão precisas sobre a identidade dessa personagem que o Sr. e a Sra. Périnne se lembraram logo da que inspirara aqueles desenhos burlescos.
Um dia, no verão, Mme. F..., ocupada, juntamente com o marido, em pequenos arranjos no seu jardim, sentiu-se impelida por uma força irresistível a colher uma soberba rosa, único ornamento de uma roseira, da qual muito se orgulhava o Sr. F... Em vão tentou o marido dissuadi-la do seu propósito. Sob a influência oculta, ela cortou a flor e correu a oferecê-la à Sra. Périnne, que residia na vizinhança. Encantada, a Sra. Périnne exclamou ao vê-la: “O! que prazer me dais neste dia, que é o do meu aniversário!” A Sra. F... ignorava essa circunstância.
Na sessão seguinte, o Espírito de Eduardo, dirigindo-se à mãe, disse: “Não compreendeste que fui eu quem impeliu a médium a colher aquela flor e a oferecê-la a ti, em minha lembrança?”
Durante as sessões efetuadas em Paris, no mês de dezembro de 1911, em casa do capitão P..., oficial do estado-maior, na presença de alguns amigos, entre os quais se achavam o Dr. G... e o Sr. Robert Pelletier, secretário da Revue, um Espírito se manifestou como sendo Geber, sábio árabe que viveu na Pérsia de 760 a 820. Por prova de sua identidade indicou que a tradução de suas obras estava na Biblioteca nacional e lhes mencionou os títulos: Summa Collectionis, Compendium, Testamentum, etc.
O Sr. Pelletier, indo verificar estas afirmações, reconheceu-as absolutamente verídicas; nenhum dos assistentes jamais ouvira falar dessa personagem. No mesmo grupo, o compositor Francis Thomé se fez reconhecer por seus primos, lembrando-lhes fatos que as demais pessoas ignoravam e de alguns dos quais nem mesmo seus parentes se recordavam.
O general L. G., em 1904, me escrevia:
“Não posso resistir ao desejo de lhe comunicar o seguinte: – No mês de julho último, estava minha mulher em B., na casa de um irmão, e aí se entretinha fazendo experiências de tiptologia. Após diversas comunicações por intermédio da mesa, surgiu o Espírito do almirante Lacombe, tio dela, morto em janeiro de 1903. Meu cunhado, capitão do ...º de linha, muito céptico, interrogou:
– Pois que estás aqui, talvez nos pudesses dizer onde se acha o bilhete da loteria turca que se encontrava entre os papéis do papai. Não consegui descobri-lo. Tu, que trataste desta sucessão, como tutor de Maria, deves sabê-lo.
“A mesa respondeu:
– Está com o Sr. L..., notário...
– Não, pois que já lho pedi e ele não o tem.
– Sim, está num pacote com o nome do Sr. V..., – (banqueiro de meu sogro), – de mistura com alguns papéis velhos, dentro da secretária do primeiro escrevente.
“Meu cunhado não insistiu... Hoje recebi dele uma carta em que me comunica que o bilhete da loteria turca foi encontrado no lugar que a mesa indicara. É simplesmente espantoso, eis tudo!”
O caso seguinte, publicado pelo Sr. Aksakof, mostra até que ponto os mortos podem continuar ao corrente das coisas terrestres:
“Uma moçoila russa, Schura (diminutivo de Alexandrina), se envenenou aos 17 anos, depois de haver perdido o noivo, de nome Miguel. Na ocasião em que esse fato se deu, ele era estudante no Instituto Tecnológico. Certo dia, uma senhora Wiessler e sua filha (a primeira das quais se ocupava muito com o Espiritismo), que mal conhecia a família de Miguel e de Nicolau e cujas relações com Schura e sua família já remontavam a época bem distante, sem jamais terem sido muito contínuas, recebem, por intermédio da mesa com que trabalhavam, uma mensagem de Schura ordenando-lhes que sem demora prevenissem a família de Nicolau de que este corria perigo idêntico ao que determinara a morte de seu irmão Miguel. Ante as hesitações manifestadas pelas duas senhoras, Schura se torna cada vez mais insistente, pronuncia palavras de que costumava usar quando viva e, para lhes dar uma prova da sua identidade, vai até ao ponto de mostrar-se a Sofia uma tarde, com a cabeça e os ombros emoldurados por um círculo luminoso. Isso, contudo, ainda não bastou para decidir a Senhora von Wiessler e sua filha a fazerem o que lhes era indicado. Finalmente, um dia, Schura lhes declara que tudo está acabado, que Nicolau vai ser preso e que elas se hão de arrepender de não a terem obedecido. As duas senhoras então se resolvem a levar todos estes fatos ao conhecimento da família de Nicolau, a qual, muito satisfeita com o procedimento deste, nenhuma atenção prestou ao que lhe acabava de ser referido. Passados dois anos sem incidente algum, veio-se a saber que Nicolau fora preso por haver tomado parte em reuniões revolucionárias que se efetuaram exatamente na época das aparições e das mensagens de Schura.” (Proceedings of Society Psychical Research, VI, páginas 349-359)
O vice-almirante inglês Usborne Moore era amigo de William Stead. Após a catástrofe do Titanic, o almirante entrou em comunicação com o amigo morto, auxiliado pela Sra. Wriedt, médium. É dele próprio a seguinte narrativa: 12
“W. Stead deu três admiráveis provas de identidade – duas à senhorita Harper e uma a mim mesmo. Aludiu ao último encontro que tivemos em Bank Building. Nessa ocasião conversamos durante uma meia hora sobre diferentes assuntos: desde a guerra entre a Itália e a Turquia até a visita próxima, com que ele contava, da sua excelente amiga, a Sra. Wriedt. Esta visita foi o de que mais falamos, sobretudo por causa de certas condições que desejava fossem observadas. A uma dessas condições especialmente aludiu ele na sessão de domingo à tarde.
“Na segunda-feira de manhã, o nosso amigo me apareceu sob uma forma etérea, achando-me eu a sós com o médium. Era um bom espectro, muito brilhante até meio-corpo, mas dessa vez não me falou. Na mesma tarde mostrou-se de maneira idêntica a diversos íntimos e discorreu durante alguns minutos sobre assuntos que, sabia-se, lhe preocupavam o espírito, quando deixara a Inglaterra.”
Um outro amigo de Stead, o Sr. Chedo Mijatovich, ministro plenipotenciário da Sérvia em Londres, viu o Espírito de Stead e lhe falou por alguns instantes. Ainda aí o Espírito deu provas formais de sua identidade, lembrando coisas totalmente desconhecidas do médium.
O Sr. Chedo Mijatovich deu disso testemunho formal em uma carta publicada a 8 de junho no Light.
O professor Hyslop também referiu 13 como, em uma sessão, sendo a médium Mme. Chenoweth, W. James, o célebre filósofo americano, morto alguns meses antes, comparecera e dera numerosas provas de identidade, especialmente lembrando fatos que só o Sr. Hyslop podia conhecer.
O Light de Londres relata um caso notável de identidade por meio da escrita mediúnica. Ei-lo:
O Sr. Shepard tinha como principal empregado um certo Sr. Purday, em quem depositava inteira confiança. Tendo Purday adoecido, o Sr. Shepard foi visitá-lo. Recebeu-o Mme. Purday, que só a muito custo lhe permitiu entrar no quarto do marido, onde o não deixou nunca a sós com o doente, quer durante a primeira visita, quer por ocasião das que se lhe seguiram. Esta circunstância se tornou tanto mais notada pelo Sr. Shepard, quanto com ela concorria a da maneira toda especial por que o doente o olhava, dando a perceber que tinha qualquer coisa de importante a comunicar ao patrão e que somente a presença da mulher o impedia de fazê-lo.
“Purday morreu sem testamento; a esposa herdou-lhe a fortuna, que, no dizer dos vizinhos, era considerável, o que muito surpreendeu o Senhor Shepard.
“Algumas semanas depois, recebeu ele a visita de um Sr. Stafford, médium psicógrafo, que lhe entregou uma página de escrita mediúnica, assinada com o nome de Purday. Confessava-lhe este que, por espaço de longos anos, abusara da confiança de que era objeto, praticando diariamente desvios de dinheiro, desvios cuja soma total montava a importante quantia. Acrescentava que, sentindo-se profundamente desgraçado, se resignara àquela confissão, que a mulher o impedira de fazer em vida.
“As minúcias com que o fato era exposto permitiram ao Sr. Shepard verificar o delito. Além disso, tendo submetido a comunicação e um espécimen de caligrafia de Purday vivo a um perito; este reconheceu a identidade dos dois escritos.” 14
A 3 de abril de 1890, pelas dez horas da manhã, achava-se a Sra. d’Espérance no seu escritório de Gotemburgo (Suécia), ocupada em escrever muitas cartas sobre negócios. Datou uma folha de papel, traçou o cabeçalho e ficou algum tempo a pensar na ortografia de um nome.
Quando pôs de novo os olhos na folha de papel notou que sua pena ou sua mão escrevera espontaneamente e em grandes caracteres as palavras “Svens Strombert”.
Dois meses depois, o Sr. Alexandre Aksakof, o professor Boutlerof, com outros amigos e o Sr. Fidler foram ter com a Sra. d’Espérance para estudarem os melhores meios de se fotografarem fantasmas materializados.
Em uma sessão, o Espírito-guia, Walter, escreveu: “Está aqui um Espírito que diz chamar-se “Stromberg”. Deseja que seus parentes sejam informados de sua morte. Parece-me haver dito que morreu no Wisconsin a 13 de março e ter nascido em Jemtland. Tinha mulher e seis filhos.”
“Se ele morreu em Jemtland, diz o Sr. Fidler, que nos dê o endereço da mulher.”
Foi-lhe respondido: “Não, ele morreu na América, seus pais é que vivem em Jemtland.”
No dia seguinte, no correr de uma sessão de fotografia, revelada uma chapa, viu-se, por detrás da Sra. d’Espérance, uma cabeça de homem com um semblante plácido.
O Sr. Fidler perguntou a Walter quem era aquela entidade fotografada. “É esse Stromberg de quem te falei, respondeu Walter. Devo mesmo dizer que ele não morreu no Wisconsin, mas em New Stockholm, e que sua morte ocorreu a 31 de março e não a 13. Seus pais residiam em Strom Stocking, ou outro nome deste gênero, na província de Jemtland. Disse-me ele, creio, que emigrou em 1886, que se casou e teve três filhos e não seis. Morreu estimado e chorado por todos.”
“Está bem, replicou o Sr. Fidler. Devo remeter a fotografia dele à mulher?”
“Ainda não compreendeste bem, retrucou Walter. Seus pais, residentes em Jemtland, é que lhe ignoram a morte e não a esposa. Disse-me ele que toda a gente o conhece no país; penso que se enviares a fotografia para Jemtland conseguirás o que desejas.”
Durante um ano o Sr. Fidler cuidou de verificar esses dados. Chegou ao seguinte resultado: Svens Ersson, natural de Strom Stocken (paróquia de Strom), na província de Jemtland, na Suécia, se casara com Sarah Kaiser, emigrara para o Canadá e, uma vez estabelecido, tomara o nome de Stromberg. Essa circunstância é muito comum entre os camponeses da Suécia, cujas famílias não usam de apelidos que lhes pertençam.
Consultaram a mulher do falecido, o médico que o tratara e o pastor.
Todos foram acordes em declarar que a 31 de março de 1890, dia da sua morte, Stromberg, ditando suas últimas determinações, exprimira o desejo formal de que seus pais e amigos da Suécia fossem informados do seu falecimento.
Por motivos que seria ocioso enumerar, suas últimas vontades não tiveram execução.
A fotografia de Svens Stromberg também foi identificada. Enviada a Strom, aí a pregaram na parede da sacristia da igreja, com um convite às pessoas que a reconhecessem para que pusessem seus nomes por baixo. Voltou trazendo numerosas assinaturas e muitos comentários.
Ficou assim demonstrado que, sessenta horas depois de morrer no Norte do Canadá, Svens Stromberg escreveu seu nome numa folha de papel, na cidade sueca de Gotemburgo, e que todas as indicações que deu por intermédio de Walter eram da mais perfeita exatidão.